sexta-feira, abril 11, 2008

O Mestre do Quadrinho Nacional

Entrevista
MOZART COUTO


Sempre fui um admirador dos quadrinhos nacional. Principalmente quando conheci as obras dos grandes mestres nos anos 80 através da editora D’Arte, do nosso amigo argentino Rodolfo Zalla, que publicou centenas de trabalhos de grandes artistas nacionais através das revistas “MESTRES DO TERROR” e “CALAFRIO”, das quais possuo em meu arquivo pessoal quase toda a coleção. E foi exatamente em um dos números da “MESTRES” (mais precisamente a história da “Casa dos Horrores” da n° 15) que fiquei impressionado com a perfeição do traço e o realismo da luz e sombra do mestre MOZART COUTO. Tentei por muitos anos copiá-lo, assim como o também mestre RODVAL MATIAS. Ambos com um traço muito semelhante. Mas como entrei em contato com o Mozart primeiro, transcrevo agora a entrevista que ele me concedeu por e-mail.

Fernando – Olá, Mozart! É um prazer entrar em contato com você mais uma vez. E, para dar início à nossa conversa, vou começar tradicionalmente! Como começou exatamente a desenhar?

Mozart – Bem cedo, não me lembro bem. Mas acho que por volta dos 5 ou seis anos já desenhava com muita freqüência.

Fernando – Quais eram os materiais que você usava naquela época?

Mozart – Papel –qualquer um que caísse nas mãos-, caneta esferográfica e lápis.

Fernando – Você desenhava muito na escola? Rabiscava seus cadernos?

Mozart – Sim. Desenhava na sala de aula... Desenhava muito porque achava a escola muito chata e era muito tímido. Ficava no meu canto desenhando. Só que isso se tornava um problema pra mim porque, de repente, toda a sala estava em volta olhando e, em pouco tempo, quase todo o colégio me conhecia pelos desenhos.

Fernando – Você começou fazendo quadrinhos ou ilustrações?

Mozart – Profissionalmente, fazendo quadrinhos.

Fernando – Qual foi a pessoa que mais o incentivou no começo de sua carreira?

Mozart – Bom, minha família sempre me incentivou, depois, no meio profissional tive ajuda de muitos editores que me deram muitas chances.

Fernando – Você teve dificuldades em se adaptar ao mercado editorial? Comente um pouco de seus medos e ansiedades!

Mozart – Não. Eu era um aprendiz e seguia as orientações das pessoas responsáveis pela publicação das revistas. No caso da Grafipar, minha primeira editora, era o Cláudio Seto, um cara que entendia muito de quadrinhos, então, trabalhava tranqüilo. Apesar de quê, desenhar quadrinhos é stressante por causa da correria e das exigências de qualidade.

Fernando – Havia muita concorrência naquela época?

Mozart – Bem menos que hoje!

Fernando – Como era o seu processo criativo? Trabalhava diretamente com os editores ou em sua casa, como free-lancer, acompanhado do roteiro?

Mozart – Trabalhava na minha casa, na minha cidade, fora do tumulto dos grandes centros. Recebia os roteiros e desenhava-os procurando não modificar quase nada. Eu sempre respeitei o trabalho dos roteiristas e ficava meio preocupado em querer inventar alguma coisa e acabar atrapalhando. Apesar de que, raramente desenhava roteiros de outros.

Fernando – Como conheceu o Rodolfo Zalla?

Mozart – Ele me escreveu convidando a colaborar na “Calafrio” e “Mestres do Terror”. Eu só o conhecia de nome e pelos desenhos nas revistas de terror que li na pré-adolescência. Foi um dos editores que eu mais gostei de trabalhar. Ele me ajudou muito!

Fernando – Você já estava conceituado naquela época ou a editora ajudou em sua carreira?

Mozart – Os leitores já gostavam bastante do meu trabalho embora eu ainda fosse um principiante. A possibilidade de publicar, de produzir é essencial para crescer.

Fernando – Quais eram os materiais que você usava naquela época? Qual o tamanho dos originais?

Mozart – Quando eu comecei, não sabia direito qual pincel utilizar, qual tinta... Com as informações de outros colegas e do próprio Seto, eu fui conhecendo sobre materiais, publicações internacionais, e depois fui pesquisando por mim mesmo. Mas sempre utilizei pincel e pena para desenhar; nanquim e lápis de várias durezas; os papéis variavam dependendo do trabalho.

Fernando – A história de que você tinha que desenhar direto no papel vegetal para a D’Arte é verídica? Fale-me um pouco sobre isso.

Mozart – Sim. Isso foi um recurso utilizado para substituir o fotolito, que era muito caro. Produzimos em papel vegetal os originais. Foi uma experiência interessante, mas não me agradou totalmente. Para o tipo de desenho que fazia não era o melhor.

Fernando – Havia um processo de seleção ou você tinha total liberdade na criação das histórias?

Mozart – Eu tinha total liberdade. Fazia minha produção e enviava para as editoras que publicavam.

Fernando - Naquela época você fazia muitos trabalhos autorais?

Mozart – Eu fazia tudo: roteiro; desenho; requadros; balões e letras. Era um trabalho bem autoral e até artesanal devido às circunstâncias da época.

Fernando – Sempre vi mais capas em óleo sobre tela do Rodval Matias. Você gostava de trabalhar com esse material ou preferia o nanquim?

Mozart – Não, eu sempre preferi a aquarela e, depois, usei acrílicas também. Além de dominar melhor essas técnicas, as tintas secavam muito rapidamente, como o nanquim, e, como eu precisava de obter resultados rápidos...
Na verdade, eu sempre fui mesmo é desenhista. Pintava pouco capas.

Fernando – Durante esse período você estudou ou desenvolveu todo seu trabalho como autodidata?

Mozart – Sim. Comprava livros e estudava; observava trabalhos publicados ou originais de outros, e ia experimentando, estudando materiais...

Fernando – Você gosta de pesquisar novas técnicas ou se prende ao tradicional?

Mozart – Eu gosto de aprender. Aprender sempre. Gosto de coisas novas, mas não gosto de tudo que é novo só porque é novo. Tem que “bater” com meu senso estético para me atrair.

Fernando – Com que freqüência você se recicla?

Mozart – Quando eu começo a sentir que o que estou fazendo, do modo como estou fazendo já não me atende mais. Isso pode variar muito quanto ao tempo. O problema é que o tal “mercado”, não nos permite isso, aí, vem os conflitos.

Fernando – Quem lhe abriu as portas para o quadrinho internacional e como foi sua experiência com a MARVEL/DC COMICS?

Mozart – Para o Quadrinho Internacional foi um colega, o Escritor Júlio Emílio Braz, que me apresentou a um agente europeu com quem ele estava começando a trabalhar. Para o mercado americano foi o Deodato Borges e o Estúdio Art Comics que me convidaram a participar num projeto deles para os EUA, na época.

Fernando – Você recebia os roteiros e enviava os originais ou chegou a trabalhar na sede nos Estados Unidos?

Mozart – Não. Sempre trabalhei aqui, no Brasil. Recebia os roteiros traduzidos e enviava os originais a lápis para artefinalização do Emir Ribeiro, na Paraíba. Depois, o material seguia para São Paulo que, de lá, ia para o agente americano, nos EUA.Cheguei a enviar direto para os EUA mais tarde também.

Fernando – Quais eram as maiores exigências para se fazer parte do time de colaboradores MARVEL/DC? Havia diferença entre as duas empresas?

Mozart – Esse tipo de trabalho você tem que ser um grande intérprete. As exigências giram em torno disso; seguir as tendências do mercado e o estilo de arte que se faz naquele gênero de quadrinhos. Seguir mesmo. Há uma liberdade, mas é como uma liberdade dentro de uma jaula grande e dourada.

Fernando – Você tinha tempo para realizar seus trabalhos autorais naquela época?

Mozart – Não. Não tinha tempo nem para descansar quase.

Fernando – Quando você decidiu parar de colaborar para os americanos e como tudo aconteceu?

Mozart – Quando eu fui amadurecendo e sentindo que estava totalmente me violentando trabalhando em algo que não satisfazia. E, principalmente, quando eu decidi sair da escravidão que eu vivia achando que só conseguia trabalhar fazendo quadrinhos.

Fernando – Você colaborou com o mercado europeu. Como foram feitos seus contatos e quais os tipos de trabalhos que desenvolveu para eles?

Mozart – Como disse antes, eu tive um agente lá. Publiquei trabalhos meus e em parceria com outros colegas em algumas editoras e jornais. Alguns desses trabalhos foram republicados em outros países além da Bélgica, que era pra onde minha produção era dirigida.
No mercado europeu, havia a possibilidade do artista levar um projeto numa editora e esse projeto ser publicado. Esse era o grande diferencial que havia com relação aos “Comics” americanos onde você só trabalha com personagens e textos de outros. É apenas uma peça numa máquina.

Fernando – Você exportou trabalhos independentes? Em caso afirmativo, para quais países trabalhou e qual era seu ramos de atuação?

Mozart – publiquei alguns trabalhos autorais na Bélgica, na Alemanha e na Espanha. Como já disse, alguns em parceria com o Júlio Braz e outros colegas.

Fernando – Como conheceu o GIMP e qual foi a sua maior dificuldade ao perceber que precisaria entrar na era digital?

Mozart – Eu entrei na era digital muito antes de conhecer o GIMP e minhas dificuldades foram várias no princípio, mas logo percebi que o mundo havia mudado e que, para continuar a produzir eu não podia deixar de me envolver com o mundo digital. O Gimp eu conheci bem depois, experimentando programas de edição de imagens.

Fernando – Você já mexia com informática ou foi pego de surpresa?

Mozart – As coisas foram acontecendo por etapas. As notícias vinham chegando, depois as máquinas, e assim foi.

Fernando – Qual a pessoa que mais o ajudou nesse processo de transição do “analógico” para o “digital”?

Mozart – Várias pessoas. Conhecidos mais próximos aqui, na minha cidade e outros, que até hoje me ajudam porque é um aprendizado intenso e constante.

Fernando – Por quê sua opção pelos softwares livres e quais as vantagens e desvantagens que você encontra neles?

Mozart – Eu não fiz uma opção definitiva pelos softwares livres, (vale colocar aqui que “livre” é diferente de “Freeware”.) mas como eu gosto de coisas que saem do “esquema dominante”, nada mais natural que eu acabasse me envolvendo com o Software Livre e com as possibilidades que ele nos dá de aprender. A liberdade, assegurada legalmente, de usar para qualquer fim um software que não tem um proprietário; de poder ter acesso ao código fonte desse software; de poder estudá-lo, modificá-lo e de poder distribuí-lo, tudo isso sem estar ferindo a propriedade intelectual de ninguém são grandes vantagens. Porém os softwares livres ainda estão num processo de evolução, então, para profissionais, softwares proprietários ainda são mais seguros, mais sofisticados em alguns aspectos. Num futuro bem próximo todos teremos a liberdade de optar, caso os softwares com os quais trabalhamos se tornarem ainda mais caros do que são- muitas vezes proibitivos- de optar pelo uso dos livres.

Fernando – Como você cria seus vídeos tutoriais? Tem a ajuda de alguém ou faz tudo sozinho? Usa algum software específico?

Mozart – Faço sozinho. Utilizo vários softwares. Alguns livres, outros freewares. Não tive necessidade de recorrer a nenhum pago até momento. Estou ainda escolhendo qual me atende melhor.

Fernando – Você já pensou em lançar um DVD com suas vídeo-aulas?

Mozart – Sim. O problema é tempo para organizar bem. Futuramente lançarei.

Fernando – O seu tempo é tomado apenas pelo trabalho ou você separa algumas horas para ensinar sua técnica para alguns alunos?

Mozart – Só pelo trabalho. Já dei aulas particulares durante um tempo, mas não foi possível conciliar o trabalho e as aulas.

Fernando – Você trabalha com quadrinhos atualmente ou somente de forma independente?

Mozart –Não. Só de forma independente.

Fernando – Já pensou em lançar um livro com suas principais obras? Algum editor já sugeriu a você essa idéia?

Mozart – Ainda não pensei. Eu sou muito crítico e na hora de escolher o que publicar, ia achar que quase nada estava bom. Mas essa é uma idéia a ser pensada com carinho.

Fernando – Você tem feito ou já fez algum trabalho com animação ou teve a participação em storyboards para cinema? Comente um pouco sobre isso!

Mozart – Animação não. Não me atrai. Para cinema fiz algumas ilustrações (concept design) recentemente, mas não posso dar mais detalhes porque o projeto ainda está em elaboração.

Fernando – Com que freqüência você atualiza seu site e seu blog?

Mozart – Quando é possível. O Site é mais complicado atualizar do que o Blog.

Fernando – Passando para o lado pessoal, como é sua vida familiar? É casado? Tem filhos? Qual o relacionamento entre família e trabalho?

Mozart – Sou casado há 26 anos e tenho duas filhas. Tenho três gatos que são parte da família também - na minha concepção de amante dos animais.

Fernando – Você tem dificuldade em conciliar a vida pessoal com a profissional ou isso já não é mais obstáculo?

Mozart – Nunca tive. Na fase em que as crianças eram pequenas a coisa ficava meio difícil porque tinha que dar muita atenção e cuidados a elas, alternando com minha mulher, mas depois as coisas vão ficando mais controladas.

Fernando – Como é seu local de trabalho? Possui um estúdio amplo com pessoas o auxiliando?

Mozart – É um cômodo no meu apartamento. De tamanho razoável. Faço tudo sozinho. Eu acho que tenho um rendimento melhor fazendo as coisas sozinho tanto quanto possível.

Fernando – Você se baseia em algum cálculo para cobrar pelos seus trabalhos ou possui uma tabela fixa?

Mozart – Os preços variam de acordo com a dificuldade do trabalho e o prazo; o tipo de trabalho; o mercado; as contas e impostos a pagar... Variam. Aproveito para sugerir aqui o “Guia do ilustrador”, indispensável para todos os iniciantes e profissionais das áreas de ilustração, quadrinhos, design, web design... e que pode ser baixado gratuitamente no site
www.guiadoilustrador.com.br nele temos mais detalhes sobre essa parte de valores, modo de cobrar, mercado, e muitas outras informações e dicas indispensáveis.

Fernando – O quê você mais gosta de fazer nas suas horas de folga?

Mozart – Ouvir música; Receber amigos; Ficar com a família e com os animais. Gosto de ler também, mas quase não tenho lido.

Fernando – Finalizando com a clássica pergunta, quais são seus projetos futuros?

Mozart – Trabalhar e, principalmente direcionar meu trabalho para algo que seja não só um entretenimento, mas algo que possa contribuir para uma melhoria com a conscientização de uma vida melhor, com integração e respeito, à natureza, à vida.

Fernando – Obrigado pela entrevista e por sua paciência em responder a todas as perguntas.

Mozart - Eu é que agradeço.


2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima entrevista !
realmente o desenho que ilustra o post é fantastico. Vou pesquisar mais sobre o autor :)

Obrigado pela indicacao []'s

jose carlos neves disse...

Com certeza “o Michelangelo dos Quadrinhos” ( o eolha que não escrevi “HQBs”..rs..)
parabéns,amigo Mozart!
voce realmente merece todo nosso reconhecimento e aplauso
Que o Grande Geômetra continue abençoando-o, sempre!
jc:.